Treinamento intensivo: candidatos precisam ter familiaridade com estilos para passarem pelas provas. O jeito é beber quase todo o dia.
Se um piloto de avião deve acumular horas de voo, um sommelier de cervejas precisa ter na bagagem horas de copo. Exagero? Durante a preparação para o campeonato que elege o melhor profissional do país – a edição deste ano foi em abril –, os candidatos intensificam seus estudos sobre o universo cervejeiro, especialmente para a prova de degustação às cegas. Sim, o treinamento é beber.
Considerada uma das mais difíceis da competição, a degustação às cegas exige que os sommeliers façam a análise sensorial da cerveja (descrever aromas, sabor, notas, presença de ingredientes) e identifiquem o estilo. A tarefa não é tão simples: há mais de 100 estilos de cerveja registrados no mundo. Na hora da prova, são apresentados, em média, seis copos, e a missão dos candidatos é reconhecê-los.
Por isso, não há alternativa: o treinamento intensivo de um sommelier é beber. O vencedor da última edição, por exemplo, Rodrigo Sawamura, treinou no próprio bar, com os clientes. É claro que esse “beber”, explicam eles, tem muito de estudo: requer atenção, concentração e, em muitos casos, silêncio para se familiarizar com diferentes estilos. A melhor maneira de se sair bem é fazer uma degustação semelhante à exigida pelo concurso, só que em casa.
“Inevitavelmente, a gente acaba bebendo quase todo dia, mas o relacionamento com a cerveja é muito diferente. Existem momentos de descontração, mas em outros a gente tem que, literalmente, estudar. Isto significa tomar cerveja com um nível de atenção muito alto, anotar as informações e fazer a análise sensorial”, diz o sommelier Jaimes Almeida Neto, 27, que ficou entre os finalistas do último campeonato.
A estratégia de muitos sommeliers é se reunir em grupos de estudos. “Cinco amigos e eu montamos uma confraria. Desde o ano passado, nos encontramos uma vez por mês para fazer a degustação às cegas. Nos últimos tempos, chegamos a fazer quatro vezes por semana”, conta o sommelier e também publicitário Marcos Gargano, 36.
Treino em grupo evita jogar cerveja fora
O encontro, além de facilitar os testes cegos, sai mais barato: é bom dividir os custos, já que comprar cerveja apenas para degustar pode pesar no bolso. “Quando você estuda, às vezes tem que jogar cerveja fora, porque bastam 80 ml. E se você beber a garrafa toda, quando for estudar as próximas, seu paladar já está saturado”, explica Gil Lebre, 33, vencedor da segunda edição do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas.
Gil inclusive fez os testes de degustação literalmente às cegas: colocava uma venda e pedia para a namorada o servir. Assim, além da dificuldade sensorial, adicionava a dificuldade visual ao processo, já que, pela cor, é possível eliminar alguns estilos de cerveja na hora de identificá-los. Uma Pilsen, por exemplo, nunca é escura. Uma Stout jamais será dourada.
Além de se reunirem em grupos, muitos sommeliers costumam também degustar sozinhos, em casa, com calma. O motivo? Eles fogem da pegadinha dos odores. Todos os cheiros de um ambiente podem influenciar o sommelier na hora de testar suas habilidades sensoriais.
“Além de ser barulhento, o bar é um ambiente onde as pessoas podem estar com perfume intenso, outras podem pedir um petisco com cheiro que afeta sua percepção sensorial, de sabor, etc. Prefiro estudar em casa. Tiro uma ou duas horas do dia pra degustar de dois a quatro rótulos. De uma cerveja para outra, bebo água com gás e como uma fatia de pão francês para limpar o paladar”, conta o sommelier Pedro Barcellos, 30.
Fonte: Globo.com, Especial “Somos Todos Cervejeiros”